Série de Entrevistas da SOTIBA – Dr. Edson Marques
A SOTIBA – Sociedade de Terapia Intensiva continua sua série de entrevistas com grandes nomes da Medicina Intensiva. A cada mês teremos uma entrevista com um intensivista voltado para um determinado assunto. A próxima entrevista é com o Dr. Edson Marques Filho que irá nos falar sobre Nefrointensivismo.
Fale um pouco sobre sua formação médica.
Formei-me em medicina pela EBMSP em 1988 e fiz Residência Médica em Nefrologia no HC – UFBA. Estágio de 9 meses no Serviço de IRA do HC – USP. Meu interesse sempre foi pacientes graves. No retorno de SP iniciei minha vida de Intensivista como plantonista da UTI do HC UFBA, do Hospital Português (além da emergência) e do Hospital Aliança, além de sobreaviso de Nefrologia no Hospital São Rafael, Hospital Espanhol e Hospital Aliança (HA). Fui responsável pelos rodízios de medicina intensiva do internato de clínica Médica do HSI. Em 1994 me tornei especialista em medicina intensiva pela AMIB e desde então tenho exercido a especialidade 100% do meu tempo. Coordenei a UTI do Hospital Santo Antônio entre 1997 – 2002. Coordeno a UTI-Cirúrgica e a RM em MI (certificada pelo MEC com média de 3 residentes formados por ano) do Hospital Santa Izabel desde 2002 a sou médico Intensivista do HA desde 1992 atuando atualmente como supervisor da UCI deste hospital. A um ano assumi o cargo de Gestor de Unidades Criticas do Hospital Cardio Pulmonar.
Quando surgiu o interesse sobre o tema “lesão renal aguda”?
Desde quando decidi unir a minha especialidade clínica, Nefrologia, com a medicina intensiva quando estive em SP no serviço de agudos.
Qual a utilidade da dosagem de índices urinários na avaliação de lesão renal no paciente internado na UTI?
Os índices urinários (NaU, FeNa, FeUr) devem ser usados em conjunto com outros dados clínicos e epidemiológicos (volume urinário, presença de sepses, injúria nefrotóxica, função renal prévia, uso de diuréticos de alça, etc) na análise do paciente com lesão renal aguda (LRA) em UTI. Isoladamente tem uma baixa performance prognóstica e diagnóstica neste subgrupo de pacientes com LRA (UTI). Devem ser medidos e o achado de NaU ou FeNa muito baixas devem incitar avaliação de fatores adicionais de stress da função renal. Inclusive, e muito importante, o achado de FeNa abaixo de 1% em fase inicial de sepses ( principal causa de LRA em UTis hoje) não se correlaciona com fluxo sanguíneo renal e, isoladamente, não prediz a resposta expansão volêmica.
O senhor acha que o uso de novos biomarcadores (NGAL, por exemplo) traria benefícios se usado rotineiramente no cuidado do paciente grave?
Nos mostraria um subgrupo de pacientes com lesão renal subclínica (biomarcadores elevados e SCr normal), que têm um excesso de complicações renais e não renais a curto e a longo prazo, onde existe uma janela de oportunidades para ação. Embora esta medida ainda não possa ser advogada pela inexistência de estudos que mostre que esta conduta afete favoravelmente desfechos clínicos importantes.
Em que momento o senhor acha que diálise deve ser instituída no paciente com lesão renal aguda?
Isto deve ser individualizado. Deve ser levado em consideração além de dados de “função renal” outros dados como volume urinário, evolução ventilatória e hemodinâmica, balanço hídrico, status ácido básico, necessidade de nutrição e possibilidade temporal de melhora da “função renal”. A análise de dados epidemiológicos sugere que a diálise “tardia” (BUN acima de 75mg/dl / Uréia > 150 mg/dl) está associado a pior prognóstico.
Quais os critérios que o senhor utiliza para a escolha do método dialítico, contínuo ou intermitente?
Opto por método contínuo na existência de comprometimento hemodinâmica definido por necessidade de noradrenalina > 0,1 mcg/kg/min ou situações onde a variação osmolar grande deva ser evitada como hipertensão intracraniana; além de na insuficiência hepática grave.
Existe diferença clinicamente relevante sobre o tipo de fluido utilizado na diálise, com lactato ou bicarbonato?
Sim, principalmente em pacientes com choque, acidose lática ou disfunção hepática aguda (agudizada). Nestes casos a solução com bicarbonato está associada a melhor controle hemodinâmico e metabólico
Existe espaço para diálise peritoneal no paciente grave?
Sim. Alguns estudos mostram que não existe diferenças importantes em relação a desfechos importantes nos 2 grupos em unidades com alta experiência em diálise peritoneal. Ressalto não ser esta minha prática usual e que um inquérito recente conduzido pelo comitê de LRA da SLAHN (Sociedade Latino Americana de nefrologia e Hipertensão) em 14 países da região mostrou que 30% dos centros ainda realizavam DP embora menos de 20% tenham tratado ao menos um paciente com este método nos últimos 3 meses o que mostra a redução progressiva da prática e que a reservaria para pacientes com LRA sem outra disfunção orgânica, sem dificuldade ventilatória e sem cirurgia abdominal recente.
Quais outras indicações para o uso de hemofiltração, fora lesão renal aguda?
Controle clínico em pacientes com ICC refratária, certas intoxicações (substâncias com baixo peso molecular, baixo grau de ligação proteica e volume de distribuição como barbitúricos, lítio, metanol) e para controle de temperatura em casos especiais.
A prescrição da diálise na UTI poderia ser feita pelo intensivista não nefrologista?
Na maioria dos casos de LRA em UTI sim