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Série de Entrevistas da SOTIBA – Dr. Murillo Assunção

A SOTIBA – Sociedade de Terapia Intensiva inicia uma série de entrevistas com grandes nomes da Medicina Intensiva. A cada mês teremos uma entrevista com um intensivista voltado para um determinado assunto. A primeira entrevista é com o Dr. Murillo Assunção que irá nos falar sobre Hemodinâmica.

Dr. Murillo Assuncao

Formado pela Faculdade de Medicina de Jundiaí – São Paulo, 1990 – 1995; faz parte da XXIIa turma. Residência em clinica médica – Hospital Santa Marcelina – São Paulo 1996 – 1998. Residência em medicina intensiva – Hospital Santa Marcelina – São Paulo – 1998 – 2000. Fellow em Medicina Intensiva – Centro de Terapia Intensiva adulto – Hospital Israelita Albert Einstein. Titulo de Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB – Belo Horizonte – MG – 2000. Mestre em Ciências da Saúde pela UNIFESP – 2007. Doutorando pelo programa de pós-graduação de Medicina Translacional pela UNIFESP

Quando surgiu o interesse sobre o tema “hemodinâmica”?
Durante a residência de medicina intensiva, com o maior contato com pacientes graves, este tema me chamou a atenção por estar diretamente relacionado com o desenvolvimento e progressão das disfunções orgânicas. Entender que não é somente hemodinâmica e sim a associação entre oxigenação tecidual e fluxo é algo que pode contribuir e muito para a reversão do quadro agudo. Dr Sérgio Blecher, um dos meus mentores e incentivadores a estudar o tema, teve grande contribuição para o meu aprendizado. Ainda durante a residência, tive a oportunidade de conhecer Dr Eliézer Silva, e iniciar pesquisa sobre tonometria gástrica em pacientes com sepse grave e choque séptico. Certamente isto foi um fator decisivo para eu inclinar sobre o tema e também sobre o interesse em sepse. Após a residência fui realizar meu fellow em medicina intensiva no Hospital Israelita Albert Einstein, aonde passei a conviver diariamente com ícones da medicina intensiva e também verdadeiros amantes da hemodinâmica: Dr. Nelson Akamine e Dr. Constantino Fernandes Jr. Neste ano tive a oportunidade de discutir diariamente o tema com estas figuras ímpares, pude trabalhar com o cateter de artéria pulmonar intermitente volumétrico, usávamos um monitor chamado Explorer Edwards Lifescience(Foto em anexo) e tenho até hoje uma amostra deste cateter peculiar, que apresentava eletrodos no corpo do cateter para capturar o complexo QRS do traçado do eletrocardiograma e plotar na curva de termodiluição para o cálculo da fração de ejeção do ventrículo direito. Realizei o segundo curso de Monitorização Hemodinâmica Básica e Avançada, na época coordenado pelo Dr. Elias Knobel e Dr. Eliézer Silva, e hoje sou o coordenador do curso; estamos caminhando para a XXV edição. Com estas feras ao lado, não tinha como não me interessar pelo tema e passei a estudar mais sobre o mesmo.

O senhor acha que o Cateter de Artéria Pulmonar (CAP) ainda deve ser utilizado nos pacientes graves com instabilidade hemodinâmica?
Sim, não tenho dúvidas que a monitoração pode auxiliar no manejo do paciente grave. É a forma de monitoração que é disponibilizada nos hospitais públicos. A integração entre CAP e Ecocardiografia é extremamente interessante. Mas como qualquer ferramenta, as equipes precisam estar treinadas, habilitadas e capacitadas para a aquisição dos dados, interpretação dos dados e tomada de decisão com a integração do máximo de variáveis possíveis. Esta ferramenta contribui com parâmetros estáticos de pré-carga, pressóricas e volumétricas, fluxo continuo e SvO2 continua. Auxilia tanto no diagnóstico quanto na condução da terapia.

Com a evolução dos anos aprendemos que o tempo em que se instala a monitoração é fundamental. A precocidade e a intervenção agressiva e rápida atrelada a um protocolo de ressuscitação é que farão que uma ferramenta auxilie na terapêutica, seja qual for a ferramenta. Para cada paciente deve se individualizar e avaliar qual ferramenta pode contribuir, entretanto também deve se pensar o que está disponível no serviço. Onde trabalho tenho o privilegio de ter todas as ferramentas disponíveis, mas isto é uma exceção na realidade brasileira. Certamente a maioria dos centros pode ter o CAP, e por isto ainda acredito que a ferramenta pode ser útil. Por exemplo, paciente cirúrgico pode se beneficiar pelo uso de monitores que utilizam analise de contorno de pulso para estimar o débito cardíaco, e não necessariamente utilizar o CAP.

O senhor concorda que a medida da Pressão Venosa Central (PVC) não tem mais utilidade e por tanto não deve ser realizada?
Não, discordo! Como diria Sheldom Madger, “more respect with CVP”!
Ela pode auxiliar na condução do paciente grave, mas certamente melhor tê-la do que não ter nenhuma variável.

Podemos utilizar a Saturação venosa do cateter central (SvcO2) no lugar da Saturação venosa mista (SvO2)?
Deve-se tomar o devido cuidado para não confundir o significado e o que representa cada uma destas variáveis. A SvcO2 apresenta uma correlação com a SvO2 no tocante a tendência mas não substitui numericamente a SvO2. Por isso quando se tem uma SvcO2 de 70%, não significa que tudo acabou com a ressuscitação, e uma SvcO2 80% também não significa que está tudo terminado. Isto vai depender muito do quadro do paciente e das outras variáveis. É importante avaliar qual o contexto que se está monitorando a SvcO2. Por exemplo, durante o intra-operatório a monitorização é interessante, mas muito para detectar quedas da SvcO2 do que propriamente olhar os valores elevados que não traduzem fluxo aumentado e sim apenas redução da demanda metabólica muitas vezes associada a anestesia e a hipotermia mal controlada. Outro exemplo, um paciente encontra-se anestesiado e hipotérmico na admissão na UTI, qual o significado da SvcO2 em 80%, com lactato 5mmol/L e em uso de noradrenalina 0,3 μg/Kg/min, IC 3,0 l/min/m2 ? Certamente, este paciente está com hipoperfusão tecidual instalada e muito deve ser feito para este paciente no tocante a otimização de fluxo e reavaliação no consumo de oxigênio e clareamento do lactato. O VO2 estimado com base na SvcO2 pode ser um erro, pois a SvcO2 exclui toda a região esplâncnica, abdominal e membros inferiores, e que, nesta condição, está totalmente voltado para a redução do metabolismo cerebral de O2, decorrente da anestesia e, principalmente, pelo estado de hipotermia. As pessoas esquecem deste pequeno grande detalhe nesta situação. Existem outros exemplos como na sepse na qual a dependência entre VO2:DO2 é totalmente variável.

No doente grave, qual seria o (s) método(s) ideal de monitorização hemodinâmica?
A integração de mais de um método acaba sendo o ideal. Particularmente, me agrada a associação entre PA invasiva, CAP e ecocardiograma. Acredito ser uma associação extremamente interessante. Há a possibilidade de monitorar continuamente a SvO2 e IC, assim posso inferir a taxe de extração de O2 (TEO2) (com a SpO2 acoplada) e o VO2 de forma continua a cada intervenção e reintervenção, além das outras variáveis de VD continuas (IVDFVD e FEVD), e as pressões de artéria pulmonar e de enchimento. O Eco me auxilia na avalição da função VE e VD, das câmaras como um todo, pericárdio, e também na responsividade de fluidos seja pela distensibilidade de veia cava inferior seja pela compressibilidade veia cava superior, dependendo do método, usado ETT ou ETE, respectivamente.

O GapPCO2 acrescenta informações relevantes para o cuidado do paciente grave?
No tocante ao ajuste de fluxo, mas não na oxigenação tecidual.

No doente grave, com que frequência a medida do lactato arterial deve ser realizada?
A cada 3 horas, como informação de resposta a terapêutica integrada a outras variáveis nos casos agudos.
Nos crônicos ou naqueles que já passaram da fase de ressuscitação pode ser um alerta, mas deve-se sempre pensar nas causas que podem estar levando a hiperlactatemia, como por exemplo alcalemia.

O senhor acha que manter o paciente com a DO2 mais distante do DO2 crítico deve ser recomendado em algum cenário na UTI?
Na minha opinião a DO2 ideal é a DO2 adequada para cada paciente. Aquela que não está gerando fluxo de luxo.

O senhor não concorda com a supra otimização nos pacientes cirúrgicos de alto risco?
Concordo em numero grau e gênero. Deve ser realizada para todo paciente cirúrgico de alto risco. Os objetivos a serem atingidos devem estar claro e deve ser utilizado um protocolo para que auxilie na tomada de decisão, bem como possa sugerir quais fluidos utilizar, como utilizar, bem como os fármacos vasoativos. Isto é diferenciado para esta população em específico, com tempo determinado para iniciar e terminar, por período de tempo pequeno, não além das primeiras 8 horas de pós-operatório. Esta estratégia não deve ser generalizada para todos os pacientes graves, e de certa forma como na questão anterior deve ser objetivado a DO2 adequada, aquela que atende a demanda metabólica para manter o consumo de oxigênio.

Qual a importância do exame físico para avaliação da perfusão tecidual?
É fundamental para auxiliar o raciocínio clinico e tomada de decisão. Mas certamente a normalização isolada dos parâmetros clínicos, sem a avaliação dos marcadores de perfusão sistêmicos, lactato e SvO2, não deve ser o final da avaliação do paciente grave!

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